Encontro 11 - Design, persuasão e manipulação
- Ana Ísis Moura
- 3 de jul.
- 5 min de leitura
Atualizado: 3 de jul.
Design Croquete - Junho de 2025
No Design Croquete de Junho discutimos sobre decisões de Design que manipulam ou persuadem os usuários a tomar decisões.
Pergunta 1:
Quais são os exemplos de padrões enganosos mais conhecidos, diferentes ou utilizados por você?
“Dark Pattern ou Decptive pattern (padrões enganosos): são designs que forçam o usuário a realizar uma ação que não é do seu interesse. Eles são comuns na web porque são fenomenalmente eficazes em aumentar as conversões. No entanto, seu uso é antiético e legalmente problemático.” (NN group)
Exemplo concreto de padrão enganoso: o caso da Amazon
Minha mãe adora livros. Há uns anos atrás compramos um Kindle pra ela poder ler de maneira mais acessível, ou seja, um kindle para ela usar à noite e com letra aumentada. Quem compra os livros dentro do kindle é ela e frequentemente assina sem querer o kindle unlimited clicando no botão "leia gratuitamente".

Temos inúmeros exemplos de padrões enganosos vistos por aí. Os mais citados durante a roda de conversa foram padrões enganosos em:
Redes sociais que prendem o usuário dentro da plataforma até o último respiro. Geralmente elas dificultam ao máximo a exclusão das contas e criam mecanismos para prender sua atenção dentro da plataforma. Por exemplo: vídeos reproduzidos automaticamente quando você entra no TikTok.
Empresas de beleza que prometem mudanças corporais como emagrecimento e cura para a calvície em seus rótulos e marketing mesmo sem garantia de resultado.
Plataforma de jogos de aposta que prometem dinheiro fácil, mas entregam um desequilíbrio mental e financeiro.
No caso das empresas de beleza e de apostas, me parece que elas têm em comum métricas de extração sendo utilizadas para avaliar o sucesso. O pensamento de lucro infinito em cima de um sistema finito (ser humano) me lembra a imagem de um sanguessuga que fica pulando de uma presa para outra sugando tudo que tem e depois descartando. Fico me perguntando como é o ciclo de vida do usuário desses produtos e qual a taxa de churn. Não há indícios por esses modelos de negócio que a construção de um relacionamento de longo prazo esteja nas metas. Fico me perguntando o que acontece com essas pessoas depois de abandonar o produto.
Já redes sociais e empresas como a amazon querem construir um relacionamento, pena que esse relacionamento apresenta sinais de toxicidade no qual uma das partes é quase um refém. Também bastante problemático.
Como está o ciclo de vida do usuário no seu produto? Será que ele está sendo sugado até a última gota e depois sendo descartado pela sua empresa?
Pergunta 2 e 3:
Você já projetou algo que não condiz com os valores que você acredita? No dia a dia de trabalho, onde vocês traçam a linha entre um Design que 'convence' e um que manipula?
Na prática do dia a dia dos Designers presentes no evento a sensação é de não estarmos projetando com o pensamento centrado no usuário, mas sim centrado quase que exclusivamente no negócio.
Existem várias razões para isso, mas as duas principais mencionadas na roda são:
Com a alta demanda de produção acaba não sobrando tempo para reflexões mais profundas sobre ética.
O medo de perder o emprego por discordar do patrão. "Se eu não fizer, tem outro Designer no mercado que faz”.
A conclusão é que na maioria das vezes a decisão final não está nas nossas mãos. O nosso papel é mais de advogado do que de juiz no fluxo de construção de um produto ou serviço. É uma missão complexa defender para os stakeholders que a autonomia, o bem-estar e a confiança dos usuários é importante para manter um relacionamento a longo prazo. Podemos defender com argumentos nosso ponto de vista com base em conceitos éticos que acreditamos e fazer com que o stakeholder tome aquela decisão ciente dos conflitos éticos que ela carrega. No entanto, a decisão final não é nossa.
Mas antes precisamos descobrir quais são os nossos valores como indivíduo e sociedade para poder defendê-los. Então conversas como essa do Design Croquete são um pontapé para essa reflexão sobre que tipo de seres humanos nós queremos ser. Design não é só sobre tornar o uso fluido e intuitivo, é necessário que a gente se preocupe em alguma medida com questões éticas também.
Pergunta 4:
Quais tipos de decisão vocês acham que faz sentido (ou seria ético) "a tecnologia" tomar no lugar das pessoas?
Tomamos cerca de 200 decisões por dia apenas sobre alimentação segundo um estudo da universidade de Cornell. Imagina então quantas decisões tomamos por dia a respeito de tudo que vivemos. Não é de se surpreender que chegamos no fim do dia exaustos e nos perguntando se seria saudável delegarmos algumas decisões para tecnologia.
Recentemente a Open AI (empresa de Sam Altman) comprou a LoveFrom (empresa de Jony Ive, ex-diretor de design da Apple). No vídeo de lançamento eles protagonizam uma cena de dois amigos em um café conversando sobre o futuro da empresa e da tecnologia de maneira bastante romântica. Prometem o lançamento de produtos com uso de IA que vão revolucionar o mercado, mas não fornecem detalhes. Há boatos que serão produtos com tecnologia pervasiva, o que, se virar uma realidade, pode mudar ainda mais a forma como vivemos.
Na roda de conversa do Design Croquete levantamos a questão a respeito de quais decisões poderíamos delegar para a tecnologia tomar por nós. Debatemos algumas hipóteses de cenário e dois extremos me chamaram atenção:
Cenário pessimista: Uma citação de um episódio de Love, Death & Robots que por algum erro no sistema os personagens foram trancados dentro de casa porque o sistema tecnológico dela entendeu que existia um perigo externo. No fim das contas o perigo não era real. Imagina essa situação na sua vida: ficar trancado dentro de casa porque uma máquina decidiu com base em parâmetros que você desconhece que não é seguro sair. Desesperador.
Cenário otimista: Uma pessoa com diabetes precisa contar os carboidratos que consome, pois isso ajuda a controlar os níveis de glicose no sangue. Essa pessoa poderia delegar para a tecnologia a missão de entender o quanto de bolo que ela pode comer no lanche da tarde sem passar mal. Tiraria um peso de cálculo e decisão dos ombros desse ser humano.
Comparando esses dois cenários a conclusão que chegamos é que a diferença entre eles está na interação. No pessimista a tecnologia toma a decisão final e no otimista a decisão final fica a cargo do ser humano.
Ficamos muito temerosos com o cenário pessimista levando em consideração toda a discussão anterior sobre objetivos de negócio e ética como definidores de decisões de produto. Esperamos que no futuro, nós como Designers possamos produzir artefatos de interação que forneçam contexto e linha de raciocínio, mas que deixem a decisão final para o ser humano.
Comenta aqui o que você achou dessas discussões e aproveita para se inscrever no próximo encontro do Design Croquete.
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